Válvula de Uretra Posterior

Por Luiz Felipe Silveira Sales



A válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução uretral congênita em crianças, com uma incidência aproximada de 1:3000 a 1:8000, caracterizando-se pela presença de uma estrutura membranosa na mucosa do assoalho da uretra prostática. Foi classificada primeiramente por Young, sendo que a denominação “válvula” refere-se ao impedimento do fluxo urinário normal e à ausência de dificuldade ao realizar uma instrumentação retrógrada, o que caracteriza a obstrução em apenas um sentido.
Sua etiopatogenia envolve fatores genéticos, responsáveis por alterações embriológicas. A alteração embriológica mais aceita é a inserção anormal e persistência mais distal dos ductos de Wolf, conhecida como teoria de Stephens.
Young et al., classificaram as VUP’s em três tipos, sendo que apenas o tipo I é aceito atualmente como VUP. O tipo II caracteriza-se pela hipertrofia das pregas coliculares proximais ao veromontano, enquanto o tipo III caracteriza-se pela estenose congênita da uretra.
Toda a fisiopatologia relaciona-se à obstrução ao fluxo urinário anterógrado, que gera as seguintes alterações: dilatação e alongamento da uretra prostática, hipertrofia do colo vesical, hiperplasia e hipertrofia do músculo detrusor, aumento das terminações colinérgicas e depósito de colágeno, aumento da resistência ao esvaziamento ureteral, refluxo vesicoureteral, hidronefrose, pielonefrite e displasia renal. Devido ao aumento da pressão intravesical, podem ser formados divertículos. Os rins estão geralmente palpáveis, e há ascite urinária. O oligo-hidrâmnio decorrente do impedimento do fluxo urinário anterógrado gera uma hipoplasia pulmonar secundária.
É interessante nesse caso a presença de mecanismos redutores da pressão endovesical, que ajudam na proteção da função renal, sendo estes mecanismos conhecidos como pop-off ou válvula de escape. Os mecanismos de válvula de escape descritos até hoje, presentes em aproximadamente em 30% dos casos de VUP, são: refluxo vesicoureteral e displasia renal unilaterais associados a extravasamento urinário e divertículo vesical congênito.
A sintomatologia não específica também está presente, caracterizada por: febre (secundária à infecção urinária), sepse, anemia, icterícia, prejuízo do crescimento, perda de peso, desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico.
Na ultrassonografia antenatal é possível a verificação de uretero-hidronefrose bilateral e espessamento da parede vesical. Ao confirmar o diagnóstico no pós-natal, deve ser realizada uma uretrocistografia miccional (padrão ouro na identificação da VUP) que identifica na maioria das vezes a dilatação da uretra posterior, com banda radiolucente (válvula), bexiga de esforço e refluxo vesicoureteral. A ultrassonografia abdominal pós natal pode identificar o espessamento da parede vesical, dilatação da uretra posterior, dilatação da pelve renal e espessamento e dilatação ureterais.
Quanto ao tratamento, deve ser realizada uma avaliação global do neonato, com uma maior atenção na função pulmonar (hipoplasia pulmonar associada), função renal (displasia) e infecção secundária. O tratamento primário (destruição da válvula) é preferível em meninos nascidos a termo, com peso e funções normais e ausência de infecção. Em crianças prematuras, com uretra de pequeno diâmetro e instabilidade, realiza-se a vesicostomia.
Uma complicação comum após o tratamento é a “bexiga de válvula”, que gera uma persistência e progressão da dilatação do trato urinário superior, apesar da desobstrução cirúrgica bem sucedida. É uma consequência da hipertrofia vesical, que leva a uma diminuição da complacência vesical.
Mesmo com todo tratamento adequado, em cerca de 30% das crianças nota-se uma        piora gradativa do quadro com evolução para insuficiência renal crônica.
Dentre o exposto, nota-se que a VUP é uma entidade complexa, que, apesar de todas as técnicas existentes , ainda gera muitas complicações, necessitando então de um acompanhamento médico prolongado e atencioso.

Referências Bibliográficas

JUNIOR, A. N. et al., Urologia Fundamental – Sociedade Brasileira de Urologia, Editora PlanMark, 2010.

SAIOVICI, S. et al., Válvula de Uretra Posterior – Projeto Diretrizes, 2006, Sociedade Brasileira de Urologia e Sociedade Brasileira de Nefrologia.

FRANCISCO, M. C., et al., Válvula de uretra posterior associada a urinoma perinefrético e ascite urinária, Revista Imagem, 2008;30 (1) 27-29